DESMISTIFICANDO
A UNIÃO ESTÁVEL: você sabia que após o falecimento do
convivente, o direito de habitação no imóvel é garantido pelas normas
brasileiras?
Schamyr Pancieri Vermelho
O
direito real de habitação nada mais é do que uma norma imperativa que restringe
o direito de propriedade para garantir a fruição do bem para fins de moradia de
um terceiro. É o que ensina Gonçalves[1] quando
afirma que o direito real de habitação assegura o “direito de morar e residir
na casa alheia. Tem, portanto, destinação específica: servir de moradia ao beneficiário
e sua família. Não podem alugá-la ou emprestá-la. Acentua-se, destarte, a
inacessibilidade assim do direito quanto ao seu exercício”.
O
direito real de habitação já encontrava previsão no artigo 1.611 parágrafo
segundo do Código Civil de 1916, garantindo proteção ao cônjuge sobrevivente
casado sobre o regime da comunhão universal de bens, desde que fosse o único
bem daquela natureza a inventariar.
Ocorre
que, com o advento da Constituição Federal, em 1988, todos os institutos do
direito civil tiveram que passar por uma readequação interpretativa, que
permitisse a concretização dos ideais democratizadores previstos na Carta Magna,
incluindo a ampliação do conceito de família previsto no artigo 226 da
Constituição Federal.
Nesse
contexto, passou-se a reconhecer família para além da união tradicional,
matrimonial, entre homem e mulher, garantindo a proteção de uniões estáveis,
incluindo a garantia dos direitos sucessórios decorrentes dessa união. Para
garantia dessa proteção, em 1996 surge a Lei 9.278/96, conferindo o direito
real de habitação em favor do companheiro sobrevivente, dando o mesmo
tratamento dado pelo Código Civil ao cônjuge, excluindo a ressalva da unicidade
do bem daquela natureza a inventariar.
Em
2002, por uma necessidade de reforma legislativa, houve a elaboração de um novo
Código Civil, em que foi possível observar a manutenção da proteção do direito
de moradia do cônjuge sobrevivente, por intermédio do artigo 1.831.
No
entanto, no Código Civil de 2002 nada foi dito acerca do direito real de
habitação do companheiro sobrevivente, o que fez surgir os seguintes
questionamentos para os operadores do direito: Teria o companheiro
sobrevivente a garantia do direito real de habitação com o advento do novo Código
Civil?
Com
a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil[2] não há como sustentar o
tratamento sucessório diferenciado dado pelo Código Civil aos cônjuges e
companheiros. Por essa razão, se o Código Civil garante o direito real de
habitação ao cônjuge sobrevivente, deve-se também o direito ser estendido ao
companheiro sobrevivente.
No
que tange aos requisitos necessários para que o sobrevivente possa se valer
desse direito, existem diferenças significativas na redação do artigo 7º da Lei
9.278/96, e o artigo 1.831 do Código Civil de 2002.
Isso
porque, no artigo 7º da Lei 9.278/96 não existe menção acerca da necessidade do
casal provar a propriedade do imóvel, podendo, em tese, ser de terceiro. Não
houve também restrição acerca da unicidade do bem, a única restrição encontrada
na literalidade da norma está na hipótese de constituição de nova família,
quando o direito se extinguiria[3].
Já
no artigo 1.831 do Código Civil de 2002, para garantia do direito real de
habitação é preciso que o sobrevivente demonstre a propriedade e a unicidade do
bem, além se ser destinado à residência do casal e o único dessa natureza a
inventariar. No entanto, nesse caso não existe restrição do direito na hipótese
de constituição de nova família.
Diante
dessa diversidade, e considerando que não deve haver diferenciação do cônjuge
com o companheiro sobrevivente, para fins sucessórios (Recurso Extraordinário
878.694/MG), pergunta-se: qual legislação aplicar ao companheiro
sobrevivente para garantia do direito real de habitação?
Para garantia da igualdade entre o cônjuge e o companheiro e para seguir a linha de entendimento do STF no julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG, parece ser mais adequado aplicar tanto para o cônjuge sobrevivente, quanto para o companheiro sobrevivente o artigo 1.831 do Código Civil.
O
referido artigo além de apresentar requisitos mais brandos do que os da Lei
9.278/96, o que seria benéfico tanto para os cônjuges quanto para os
companheiros, garante a igualdade no tratamento e o direito constitucional à
moradia. Por essa razão, não haveria justificativa para não observância do
artigo 1.831 do Código Civil para todos os casos.
No
entanto, é válido ressaltar que o bem jurídico tutelado pela norma do artigo
1831 do Código Civil é o direito de moradia previsto no artigo 6º da
Constituição Federal. Sabendo da relevância desse bem jurídico e da necessidade
de proteção, é de suma importância a análise minuciosa do caso concreto para
que nenhum formalismo impeça a parte necessitada de usufruir de seus direitos.
Advogada em Direito de Família e das Sucessões em Vitória/ES. Para mais informações, entre no site: www.lyraduque.com.br.
[1] GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, v. V – Direito das coisas, 2006, pag 475.
[2] STF. Recurso Extraordinário 878694/MG (AC 10439091037481001).
Tribunal Pleno. Rel. Min. Luis Roberto Barroso. Julgamento 10 maio 2017.
[3]
TARTUCE, Flavio. Direito Civil: direito das sucessões. V. 06. 13 ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2020. Pag. 317.