Como vencer a corrida após a morte? Dicas para dar celeridade ao processo de inventário.
Por Schamyr Pancieri Vermelho
Publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (CONJUR) no link: https://www.conjur.com.br/2021-mar-08/schamyr-pancieri-dar-celeridade-processo-inventario
Como
dizia Fernando Pessoa, “A morte chega cedo, pois breve é toda vida”[1]. Não há
dúvidas de que a morte de um ente querido chega cedo e traz, naturalmente, muita
saudade e sofrimento para toda a família. Ocorre que, o sofrimento por vezes decorre
simplesmente da saudade, da falta que a pessoa faz, ou dos conflitos que podem
existir com as providências que precisam ser tomadas após o falecimento de um
indivíduo, a chamada “corrida” após a morte.
Tais providências
são necessárias pois, após o falecimento de um indivíduo, todo o seu patrimônio
passa a integrar uma massa patrimonial (ficção jurídica) chamada de espólio,
que deve ser inventariada e partilhada entre os herdeiros.
Ocorre
que, apesar de ser um procedimento teoricamente simples, os conflitos
familiares que envolvem a partilha dos bens podem tornar o caminho processual do
inventário um tanto quanto tortuoso, podendo o conflito demorar 10, 20, 30 ou,
acreditem, 100 anos para ser resolvido no judiciário.
Tanto é verdade que um dos processos
mais antigos, existentes no Brasil, é um processo de inventário do comendador
Domingos Faustino Corrêa[2],
que tramitou na Justiça Comum do Rio Grande do Sul por 107 anos, por conta dos
imbróglios processuais causados pela família.
O grande problema dessa morosidade é a inutilização da herança, a deterioração do patrimônio, e até mesmo o aumento dos conflitos familiares, pois até o momento da partilha, todos os bens são considerados um só, estando os herdeiros em um estado de condomínio.
Sabendo do grave risco da morosidade de
um processo de inventário, seria possível dar celeridade ao processo?
Existem
algumas alternativas processuais que são muito valiosas para o processo de
inventário, e, se bem utilizadas pelos advogados, podem poupar anos de conflito
judicial. A primeira delas observa-se com o artigo 647 do Código de Processo
Civil.
O artigo 647, parágrafo único, do Código
de Processo Civil prevê a possibilidade
de o Magistrado, em decisão fundamentada, deferir, antecipadamente, a qualquer
um de seus herdeiros, o exercício dos direitos
de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que ao término do
inventário, tal bem integre a quota parte do respectivo herdeiro, cabendo ao
mesmo, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles
direitos.
Comparando as determinações
estabelecidas no artigo 647 do Código de Processo Civil, faz-se possível
estabelecer uma similaridade com a tutela de evidência, porém aplicada no
âmbito do inventário.
Isso porque, a tutela de evidência é uma
“medida destinada a antecipar o próprio resultado prático final do processo,
satisfazendo-se na prática o direito do demandante, independentemente do periculum
in mora”[1], e
o que propõe o parágrafo único do artigo 647 do Código é exatamente essa
antecipação do uso e fruição dos direitos da herança, baseado da probabilidade
do direito. Trata-se, portanto, de uma hipótese especial da tutela de
evidência, que pode reduzir os danos decorrentes da morosidade que pode existir
em processo de inventário.
Outra possibilidade
de promover a celeridade envolve a nomeação de um inventariante dativo ou
judicial (artigo 617, inciso VII e VIII do Código de Processo Civil), que nada
mais é do que um terceiro estranho à herança que atua de forma profissional no processo
de inventário, administrando os bens e representando o espólio.
A
nomeação de um terceiro se justifica na medida em que muitas famílias entendem
que aquele que assume a função de inventariante no processo, estaria, de alguma
forma, em posição de vantagem em relação aos demais herdeiros. Por essa razão,
essas partes “desconfiadas” começariam a impugnar diversos atos do processo,
causando impasses no trâmite processual.
O que
as partes não sabem é que o inventariante não possui nenhuma vantagem na
relação processual, pelo contrário, ele assume diversos deveres conforme se
observa no artigo 618 do Código de Processo Civil, tais como organizar o
espólio, arrecadar os bens, conservá-los e administrá-los até a entrega de cada
porção aos herdeiros[1].
Observa-se, pois, que a desconfiança no
inventariante pode atrasar demasiadamente
o processo, o que pode ser evitado com a nomeação de um inventariante judicial
ou dativo, que atuará de modo profissional e transparente, prestando contas de
seus atos e sendo remunerado pelo serviço ao qual fora designado.
Por
fim, a terceira dica que visa a celeridade no processo de inventário consiste
na elaboração de um negócio jurídico processual previsto no artigo 190 do Código
de Processo Civil que, nas palavras de Fredie Didier Jr, trata-se de um “fato jurídico voluntário, em cujo suporte
fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados
no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou
alterar o procedimento”[2].
Partindo desse conceito, poderiam as
partes transigir sobre assuntos e procedimentos que, geralmente, “travam” o
processo de inventário, como por exemplo, a partilha de bens que possuem valor
afetivo para toda a família, como joias, obras de arte, dentre outros. As
partes poderiam se valer do negócio jurídico processual para acordar que a
partilha desses bens cm valores sentimentais seria realizado por meio de
sorteio, descrevendo, ainda, a forma como o sorteio ocorreria.
Um outro exemplo de negócio jurídico
processual que pode ser firmado entre as partes interessadas é a renúncia do
direito de recorrer da decisão que nomeia o inventariante, ou da avaliação dos
bens realizada pelo perito do juízo, ou de qualquer outra decisão presente no
processo.
A verdade é que são diversas as
possibilidades de acordos e negócios jurídicos processuais que podem ser feitos
para dar celeridade ao processo de inventário, as partes e os advogados devem
apenas agir com boa-fé, cooperação e criatividade.
Referências
CÂMARA,
Alexandre de Freitas. O novo processo civil. São Paulo: Atlas, 2015.
Forense, 2018.
DIDIER
JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo
de conhecimento. 20 ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
PESSOA, Fernando. Poesias: A
morte chega cedo. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.)
Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995.).
PROCESSO CÍVEL n. 42700, Inventário do
Comendador Domingos Faustino Correa, autos principais e traslado, 1ª Vara Cível
Rio Grande, RS. Arquivo do Poder Judiciário – Foro do Rio Grande e CDH/FURG.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito
das Sucessões. 10 ed. rev. atual. ampli. - Rio de Janeiro: Forense.2018.
[1] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das
Sucessões. 10 ed. rev. atual. ampli. - Rio de Janeiro: Forense, 2018. p
634.
[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito
Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador:
JusPodivm, 2018.