O profissional liberal também tem o dever de pagar pensão alimentícia

Por Lorena Marchesi de Oliveira

 


A pensão alimentícia é a verba necessária para custear as despesas de quem não possui meios e recursos próprios para sobrevivência, como por exemplo, gastos com alimentação, saúde, educação, transporte, vestuário, lazer, dentre outros. É um valor devido aos filhos, até quando perdurar a necessidade, e o juiz da Vara de Família decidirá se a pensão é devida e a quantia a ser paga. Tanto o pai como a mãe podem ser solicitados a pagar a pensão para os filhos.

A quantia da pensão alimentícia tem como objetivo suprir o alimentando em suas necessidades básicas. A Lei civil não prevê expressamente um percentual que recairá sobre a renda mensal do pai/mãe, de modo que será analisado em cada caso, levando em conta as possibilidades do pai/mãe e as necessidades do menor. 

Mesmo que o pai ou a mãe do menor aleguem ser “autônomos”, isto é, profissionais liberais, permanece a obrigação de pagar a pensão alimentícia devida ao(s) filho(s). Para que seja verificada a situação financeira do autônomo, podem ser providenciados alguns documentos de comprovação, dentre eles o extrato bancário e a declaração do imposto de renda. Além disso, poderá ser demonstrado ao juízo o padrão de vida levado pelo pai ou mãe do menor ou, por exemplo, o fato de ele de receber aluguéis ou ser sócio de uma empresa, dentre outros possíveis cenários.

É importante ressaltar que a saúde, a educação, a segurança e o lazer de uma criança dependem dos valores da pensão alimentícia. Caso o devedor de alimentos se negue a prestação de alimentos, existem formas de coagi-lo, dentre elas: a prisão civil do devedor de alimentos; a penhora on-line dos ativos financeiros do devedor; a inscrição do devedor no SPC e Serasa, dentre outros. 

No momento de se fixar a pensão, o juiz analisará quanto o pai/mãe podem pagar e as necessidades do filho/filha. O autônomo não tem o direito de deixar de contribuir para o sustento de seus filhos sob a justificativa de ser um profissional liberal.

Os advogados do escritório Lyra Duque Advogados são especialistas em Direito de família e poderão ajudá-lo nessa e em outras questões. 



Posso alugar com Airbnb?


Posso alugar com Airbnb? 

Por Vinícius Pessoa Egídio


Nessa época do ano, muitas pessoas desejam viajar, seja para aproveitar as férias escolares dos filhos, seja para curtir uma praia, ou simplesmente para descansar e conhecer um novo lugar.

Por conta disso, a demanda de locações por temporada, isto é, aluguéis por um período curto de até 90 dias, cresce nessa época do ano. 

Para facilitar a vida daqueles que desejam viajar e daqueles que desejam alugar, o aplicativo Airbnb auxilia na intermediação entre as partes. 

No entanto, diante de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), admitindo a possibilidade de proibição do uso do Airbnb em condomínios residenciais, uma dúvida tem pairado na mente de muitos: Posso alugar com Airbnb? 

O Airbnb, em que pese facilite a concretização da locação, permite um alto fluxo de pessoas desconhecidas no condomínio, o que pode gerar uma sensação de insegurança. Esse é o motivo para que muitos moradores desejem proibir esse formato de locação em seus condomínios. 

Para você, morador, é importante entender o seguinte: o STJ não proibiu o uso do Airbnb em todos os condomínios. O que o Tribunal fez foi apenas admitir que é possível e legítima a proibição da locação pelo aplicativo, por meio de deliberação em assembleia condominial. 

Portanto, caso seu condomínio não preveja nenhuma vedação ao uso do aplicativo na convenção condominial e essa pauta não tenha sido levada à votação em assembleia, saiba que a locação por Airbnb não está proibida em seu condomínio. 

Se essa for a sua vontade, com uma equipe de advogados especialistas em questões condominiais, podemos acompanhar e prestar assessoria a síndicos e moradores que desejam proibir a locação por Airbnb no seu condomínio. Sanar dúvidas, acompanhar assembleias, redigir uma modificação na convenção são exemplos de atuações do escritório acerca dessa temática.  

Por sua vez, algumas medidas preventivas podem ser realizadas por quem deseja alugar por meio do Airbnb, a saber: perguntar ao proprietário do imóvel se a locação por meio do aplicativo é permitida no condomínio, e, se possível, solicitar uma cópia da convenção e do regimento interno do condomínio para evitar qualquer surpresa e frustração sobre a estadia durante a sua viagem.

Os advogados do escritório Lyra Duque Advogados são especialistas em Direito Imobiliário e atuam em demandas envolvendo condomínios e imóveis, e poderão ajudá-lo nessa e em outras questões. 

Como vencer a corrida após a morte? Dicas para dar celeridade ao processo de inventário.

 



Como vencer a corrida após a morte? Dicas para dar celeridade ao processo de inventário.


Por Schamyr Pancieri Vermelho 

Publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (CONJUR) no link: https://www.conjur.com.br/2021-mar-08/schamyr-pancieri-dar-celeridade-processo-inventario


Como dizia Fernando Pessoa, “A morte chega cedo, pois breve é toda vida”[1]. Não há dúvidas de que a morte de um ente querido chega cedo e traz, naturalmente, muita saudade e sofrimento para toda a família. Ocorre que, o sofrimento por vezes decorre simplesmente da saudade, da falta que a pessoa faz, ou dos conflitos que podem existir com as providências que precisam ser tomadas após o falecimento de um indivíduo, a chamada “corrida” após a morte.

 

Tais providências são necessárias pois, após o falecimento de um indivíduo, todo o seu patrimônio passa a integrar uma massa patrimonial (ficção jurídica) chamada de espólio, que deve ser inventariada e partilhada entre os herdeiros.

 

Ocorre que, apesar de ser um procedimento teoricamente simples, os conflitos familiares que envolvem a partilha dos bens podem tornar o caminho processual do inventário um tanto quanto tortuoso, podendo o conflito demorar 10, 20, 30 ou, acreditem, 100 anos para ser resolvido no judiciário.

 

Tanto é verdade que um dos processos mais antigos, existentes no Brasil, é um processo de inventário do comendador Domingos Faustino Corrêa[2], que tramitou na Justiça Comum do Rio Grande do Sul por 107 anos, por conta dos imbróglios processuais causados pela família.

 

O grande problema dessa morosidade é a inutilização da herança, a deterioração do patrimônio, e até mesmo o aumento dos conflitos familiares, pois até o momento da partilha, todos os bens são considerados um só, estando os herdeiros em um estado de condomínio.

Sabendo do grave risco da morosidade de um processo de inventário, seria possível dar celeridade ao processo?

 

Existem algumas alternativas processuais que são muito valiosas para o processo de inventário, e, se bem utilizadas pelos advogados, podem poupar anos de conflito judicial. A primeira delas observa-se com o artigo 647 do Código de Processo Civil.

 

O artigo 647, parágrafo único, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o Magistrado, em decisão fundamentada, deferir, antecipadamente, a qualquer um de seus herdeiros, o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que ao término do inventário, tal bem integre a quota parte do respectivo herdeiro, cabendo ao mesmo, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos.

 

Comparando as determinações estabelecidas no artigo 647 do Código de Processo Civil, faz-se possível estabelecer uma similaridade com a tutela de evidência, porém aplicada no âmbito do inventário.

 

Isso porque, a tutela de evidência é uma “medida destinada a antecipar o próprio resultado prático final do processo, satisfazendo-se na prática o direito do demandante, independentemente do periculum in mora[1], e o que propõe o parágrafo único do artigo 647 do Código é exatamente essa antecipação do uso e fruição dos direitos da herança, baseado da probabilidade do direito. Trata-se, portanto, de uma hipótese especial da tutela de evidência, que pode reduzir os danos decorrentes da morosidade que pode existir em processo de inventário.

 

Outra possibilidade de promover a celeridade envolve a nomeação de um inventariante dativo ou judicial (artigo 617, inciso VII e VIII do Código de Processo Civil), que nada mais é do que um terceiro estranho à herança que atua de forma profissional no processo de inventário, administrando os bens e representando o espólio.


A nomeação de um terceiro se justifica na medida em que muitas famílias entendem que aquele que assume a função de inventariante no processo, estaria, de alguma forma, em posição de vantagem em relação aos demais herdeiros. Por essa razão, essas partes “desconfiadas” começariam a impugnar diversos atos do processo, causando impasses no trâmite processual.

 

O que as partes não sabem é que o inventariante não possui nenhuma vantagem na relação processual, pelo contrário, ele assume diversos deveres conforme se observa no artigo 618 do Código de Processo Civil, tais como organizar o espólio, arrecadar os bens, conservá-los e administrá-los até a entrega de cada porção aos herdeiros[1].

 

Observa-se, pois, que a desconfiança no inventariante pode atrasar demasiadamente o processo, o que pode ser evitado com a nomeação de um inventariante judicial ou dativo, que atuará de modo profissional e transparente, prestando contas de seus atos e sendo remunerado pelo serviço ao qual fora designado.

 

Por fim, a terceira dica que visa a celeridade no processo de inventário consiste na elaboração de um negócio jurídico processual previsto no artigo 190 do Código de Processo Civil que, nas palavras de Fredie Didier Jr, trata-se de um “fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento[2].

 

Partindo desse conceito, poderiam as partes transigir sobre assuntos e procedimentos que, geralmente, “travam” o processo de inventário, como por exemplo, a partilha de bens que possuem valor afetivo para toda a família, como joias, obras de arte, dentre outros. As partes poderiam se valer do negócio jurídico processual para acordar que a partilha desses bens cm valores sentimentais seria realizado por meio de sorteio, descrevendo, ainda, a forma como o sorteio ocorreria.


Um outro exemplo de negócio jurídico processual que pode ser firmado entre as partes interessadas é a renúncia do direito de recorrer da decisão que nomeia o inventariante, ou da avaliação dos bens realizada pelo perito do juízo, ou de qualquer outra decisão presente no processo.

 

A verdade é que são diversas as possibilidades de acordos e negócios jurídicos processuais que podem ser feitos para dar celeridade ao processo de inventário, as partes e os advogados devem apenas agir com boa-fé, cooperação e criatividade.

 

 

Referências

 

CÂMARA, Alexandre de Freitas. O novo processo civil. São Paulo: Atlas, 2015.

Forense, 2018.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: JusPodivm, 2018.

 

PESSOA, Fernando. Poesias: A morte chega cedo. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995.).

 

PROCESSO CÍVEL n. 42700, Inventário do Comendador Domingos Faustino Correa, autos principais e traslado, 1ª Vara Cível Rio Grande, RS. Arquivo do Poder Judiciário – Foro do Rio Grande e CDH/FURG.

 

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 10 ed. rev. atual. ampli. - Rio de Janeiro: Forense.2018.



[1] RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 10 ed. rev. atual. ampli. - Rio de Janeiro: Forense, 2018. p 634.

[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: JusPodivm, 2018.




[1] CÂMARA, Alexandre de Freitas. O novo processo civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 169.






Cuidados no momento da compra de imóvel

 



Ter uma casa própria é o sonho de muitos brasileiros. Entretanto, esse desejo não pode fazer com que o comprador seja displicente. Não tomar certas atitudes no momento da compra de um imóvel pode transformar esse sonho em um verdadeiro pesadelo.

Primeiramente, é preciso ter um corretor de imóveis de confiança, que conheça o mercado e as suas preferências, podendo lhe indicar um bom imóvel segundo o seu interesse. Será o corretor que realizará a intermediação entre o comprador e o vendedor, permitindo que o comprador possa ficar mais tranquilo durante esse processo.

Todavia, contar com um corretor de imóveis não exime o comprador de tomar certos cuidados e diligências.

Antes da celebração do contrato, o comprador deve estar atento quanto a alguns aspectos, como a condição do imóvel. O comprador deve visitar o imóvel com antecedência, preferencialmente com a presença de um engenheiro civil, que irá realizar uma vistoria técnica do imóvel, a fim de constatar o estado estrutural do imóvel. A análise desse profissional é fundamental para que o comprador não seja surpreendido com qualquer anormalidade.

Em caso de prédio, avaliar a localização do imóvel, conhecer as áreas comuns dele e analisar a credibilidade da construtora são diligências necessárias para evitar quaisquer surpresas.

É preciso também atenção com relação a documentação. Diversos são os casos que podem levar a anulação do negócio, como documentos falsos ou defeitos do negócio jurídico. Desse modo, é necessário verificar todas as certidões do imóvel (certidão de propriedade, certidão negativa de tributos, certidão negativa de débitos condominiais) e as certidões referentes às partes (certidões negativas na justiça federal, estadual e criminal).

Nesse sentido, o comprador deve estar acompanhando de um advogado, para realizar uma análise desses documentos e elaborar um contrato de compra e venda seguro.

 

DESMISTIFICANDO A UNIÃO ESTÁVEL: você sabia que após o falecimento do convivente, o direito de habitação no imóvel é garantido pelas normas brasileiras?

 

 Schamyr Pancieri Vermelho

 


O direito real de habitação nada mais é do que uma norma imperativa que restringe o direito de propriedade para garantir a fruição do bem para fins de moradia de um terceiro. É o que ensina Gonçalves[1] quando afirma que o direito real de habitação assegura o “direito de morar e residir na casa alheia. Tem, portanto, destinação específica: servir de moradia ao beneficiário e sua família. Não podem alugá-la ou emprestá-la. Acentua-se, destarte, a inacessibilidade assim do direito quanto ao seu exercício”.

 

O direito real de habitação já encontrava previsão no artigo 1.611 parágrafo segundo do Código Civil de 1916, garantindo proteção ao cônjuge sobrevivente casado sobre o regime da comunhão universal de bens, desde que fosse o único bem daquela natureza a inventariar.

 

Ocorre que, com o advento da Constituição Federal, em 1988, todos os institutos do direito civil tiveram que passar por uma readequação interpretativa, que permitisse a concretização dos ideais democratizadores previstos na Carta Magna, incluindo a ampliação do conceito de família previsto no artigo 226 da Constituição Federal.

 

Nesse contexto, passou-se a reconhecer família para além da união tradicional, matrimonial, entre homem e mulher, garantindo a proteção de uniões estáveis, incluindo a garantia dos direitos sucessórios decorrentes dessa união. Para garantia dessa proteção, em 1996 surge a Lei 9.278/96, conferindo o direito real de habitação em favor do companheiro sobrevivente, dando o mesmo tratamento dado pelo Código Civil ao cônjuge, excluindo a ressalva da unicidade do bem daquela natureza a inventariar.

 

Em 2002, por uma necessidade de reforma legislativa, houve a elaboração de um novo Código Civil, em que foi possível observar a manutenção da proteção do direito de moradia do cônjuge sobrevivente, por intermédio do artigo 1.831.  

 

No entanto, no Código Civil de 2002 nada foi dito acerca do direito real de habitação do companheiro sobrevivente, o que fez surgir os seguintes questionamentos para os operadores do direito: Teria o companheiro sobrevivente a garantia do direito real de habitação com o advento do novo Código Civil?

 

Com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil[2] não há como sustentar o tratamento sucessório diferenciado dado pelo Código Civil aos cônjuges e companheiros. Por essa razão, se o Código Civil garante o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, deve-se também o direito ser estendido ao companheiro sobrevivente.

 

No que tange aos requisitos necessários para que o sobrevivente possa se valer desse direito, existem diferenças significativas na redação do artigo 7º da Lei 9.278/96, e o artigo 1.831 do Código Civil de 2002.

 

Isso porque, no artigo 7º da Lei 9.278/96 não existe menção acerca da necessidade do casal provar a propriedade do imóvel, podendo, em tese, ser de terceiro. Não houve também restrição acerca da unicidade do bem, a única restrição encontrada na literalidade da norma está na hipótese de constituição de nova família, quando o direito se extinguiria[3].

 

Já no artigo 1.831 do Código Civil de 2002, para garantia do direito real de habitação é preciso que o sobrevivente demonstre a propriedade e a unicidade do bem, além se ser destinado à residência do casal e o único dessa natureza a inventariar. No entanto, nesse caso não existe restrição do direito na hipótese de constituição de nova família.

 

Diante dessa diversidade, e considerando que não deve haver diferenciação do cônjuge com o companheiro sobrevivente, para fins sucessórios (Recurso Extraordinário 878.694/MG), pergunta-se: qual legislação aplicar ao companheiro sobrevivente para garantia do direito real de habitação?

 

Para garantia da igualdade entre o cônjuge e o companheiro e para seguir a linha de entendimento do STF no julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG, parece ser mais adequado aplicar tanto para o cônjuge sobrevivente, quanto para o companheiro sobrevivente o artigo 1.831 do Código Civil.


O referido artigo além de apresentar requisitos mais brandos do que os da Lei 9.278/96, o que seria benéfico tanto para os cônjuges quanto para os companheiros, garante a igualdade no tratamento e o direito constitucional à moradia. Por essa razão, não haveria justificativa para não observância do artigo 1.831 do Código Civil para todos os casos.  


No entanto, é válido ressaltar que o bem jurídico tutelado pela norma do artigo 1831 do Código Civil é o direito de moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Sabendo da relevância desse bem jurídico e da necessidade de proteção, é de suma importância a análise minuciosa do caso concreto para que nenhum formalismo impeça a parte necessitada de usufruir de seus direitos.


Advogada em Direito de Família e das Sucessões em Vitória/ES. Para mais informações, entre no site: www.lyraduque.com.br.



[1] GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. V – Direito das coisas, 2006, pag 475.

[2] STF. Recurso Extraordinário 878694/MG (AC 10439091037481001). Tribunal Pleno. Rel. Min. Luis Roberto Barroso. Julgamento 10 maio 2017.

[3] TARTUCE, Flavio. Direito Civil: direito das sucessões. V. 06. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pag. 317.


TESTAMENTO VITAL: Seria possível negociar os termos da morte?


Schamyr Pancieri Vermelho

Advogada no escritório Lyra Duque Advogados 


Apesar da cultura testamentária não ser popular no Brasil, durante a pandemia da Covid-19 o interesse das pessoas pelo tema aumentou de forma significativa, e é por essa razão que o debate sobre as formas testamentárias e sobre o testamento biológico é tão atual e tão necessário.

Segundo os ensinamentos de Zeno Veloso, "o testamento é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens, no todo ou em parte, ou faz determinações não patrimoniais, para depois de sua morte" [1]. Ou seja, trata-se de um documento capaz de expressar a autonomia da vontade do testador para regular os efeitos do seu patrimônio, ou até mesmo extrapatrimoniais, para depois de sua morte.

Já o testamento biológico, também conhecido como testamento vital, é um documento em que a "pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar a sua vontade" [2].

Nota-se, portanto, uma diferença muito grande entre os dois institutos, igualmente chamados de testamento. No testamento biológico, os efeitos das disposições testamentárias não estão condicionados ao evento morte, como ocorre no testamento simples. O objetivo do testamento biológico é exatamente regular a vida do testador em um momento de vulnerabilidade, que ocorre quando este se encontra doente e incapaz de manifestar a sua vontade.

Por essa razão é que se questiona: seria o testamento biológico uma forma de testamento? Valendo-se dos conceitos aqui expostos, não é possível concluir que estariam os dois documentos abarcados pelo conceito de testamento. Isso porque, ao aceitar que o testamento é um documento que estabelece efeitos patrimoniais e extrapatrimoniais para o pós-morte, estaríamos excluindo do conceito um documento que regulamenta as condições do manifestante ainda em vida, que é o caso do testamento vital.

Para o professor Flávio Tartuce, a classificação jurídica devida ao testamento vital é a de "ato jurídico stricto sensu unilateral que pode produzir efeitos, uma vez que seu conteúdo é perfeitamente lícito" [3]. Dessa forma, apesar de o testamento biológico não ser tecnicamente um testamento, a sua validade e a sua eficácia estão condicionadas aos requisitos do artigo 104 do Código Civil de 2002, bem como o binômio da beneficência e não maleficência presente no artigo 15 do referido dispositivo.

Para que isso seja possível, em primeira análise, é preciso que o objeto da manifestação de vontade seja lícito. As cláusulas do testamento vital, para serem consideradas válidas, precisam estabelecer regras de proteção à dignidade do paciente terminal, sem que isso encerre antecipadamente sua vida (eutanásia), ou prolongue demasiadamente o seu sofrimento (distanásia).

Assim, conclui-se que a autonomia privada para a elaboração de cláusulas testamentárias, nos casos de testamento vital, esbarra nos conceitos da eutanásia e da distanásia, que são condutas vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Significa dizer então que a validade e eficácia de um testamento vital só pode ser discutida em casos de ortotanásia, nos quais não se empregam técnicas terapêuticas inúteis ao prolongamento da vida, garantindo a dignidade do paciente em estado terminal e de sua família [4].

A concretização da ortotanásia por intermédio das regras do testamento encontra respaldo jurídico na Resolução 2.217/2018 do Conselho Federal de Medicina. No entanto, na legislação vigente ainda não existe nenhuma lei federal para tratar sobre o tema. Como reforço argumentativo, utiliza-se o enunciado nº 528 da V Jornada de Direito Civil, que determina ser "válida a declaração de vontade, expressa em documento autêntico, também chamado de testamento vital, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento, ou não tratamento, que deseja, no caso se de encontrar sem condições de manifestar a sua vontade".


** Artigo publicado pela autora na revista eletrônica "Consultor Jurídico" https://www.conjur.com.br/2020-nov-21/schamyr-pancieri-possivel-negociar-termos-morte ** 


[1] VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. Coord. Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da Silva 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 2089.

[2] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 239.

[3] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das sucessões. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 468.

[4] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das sucessões. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 462.

Advogados em Direito de Família e das Sucessões em Vitória/ES. Para mais informações, entre no site: www.lyraduque.com.br

Meu, seu, nosso... Sobre a reserva da quarta parte na divisão da herança


Segundo o artigo 1832 do Código Civil, o cônjuge, ou companheiro (Informativo nº 864 da Corte), quando concorre com os descendentes para o recebimento da herança, terá o direito de receber um quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça. No entanto, nos casos em que o cônjuge/companheiro for ascendente dos demais herdeiros, é feita a reserva da quarta parte da herança.

Isso significa que quando o cônjuge/companheiro sobrevivente for pai/mãe dos demais descendentes, a ele é reservado um patrimônio mínimo correspondente a 25% do patrimônio total, e os outros 75% serão divididos igualmente entre os descendentes, não importando se os descendentes receberão uma quota inferior à do cônjuge.

A reserva da quarta parte tem por objetivo manter um mínimo vital a favor do cônjuge/companheiro [1], no entanto, essa mesma proteção não se observa quando o cônjuge/companheiro concorrer com descendentes exclusivos do morto.

A situação fica ainda mais curiosa quando se trata de filiação híbrida, que ocorre quando o cônjuge/companheiro concorre com descendentes comuns (filhos do casal) e com os descendentes exclusivos do autor da herança [2]. Tal situação jurídica não é tratada pelo artigo 1832 do Código Civil, e por essa razão é que se faz necessário o questionamento: em caso de filiação híbrida, é devida a reserva da quarta parte?

Para responder o questionamento existem alguns posicionamentos. O primeiro deles, defendido por Flavio Tartuce, Caio Mario, Maria Helena Diniz, e outros, assegura que em caso de sucessão híbrida não há de se falar em reserva da quarta parte ao cônjuge/companheiro [3]. Nesse caso, a herança seria dividia entre todos os herdeiros necessários em iguais quotas, sob pena de violar o princípio da igualdade entre os filhos.

Nesse mesmo sentido está o Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil: "Na concorrência entre cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida".

Já o segundo posicionamento afirma que no caso de filiação hibrida deve ser feita a reserva da quarta parte, agindo como se todos os descendentes fossem comuns. Nesse posicionamento estão Francisco José Cahali, Jose Fernando Simão e Silvio Venosa, que sustentam que a existência de filhos comuns justificaria, por si só, a incidência da reserva [4], sendo esta uma interpretação extensiva do artigo 1832 do Código Civil.

Para resolver essa controvérsia, em 2019 ficou decidido no REsp 1617501 [5] que a interpretação mais razoável do enunciado normativo do artigo 1832 do Código Civil é a de que a reserva de um quarto da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns, conforme estabelecido no enunciado 527 da Jornada de Direito Civil.

Segundo o julgado (REsp 1617501 [6]), a interpretação restritiva do artigo 1832 do Código Civil é o que assegura a igualdade entre os filhos e o direito dos descendentes exclusivos de não redução do patrimônio de forma injustificada.


Por Schamyr Pancieri Vermelho

 

[1] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das sucessões- v 6- 13 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pag 215

[2] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 20, p. 235-236)

[3] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das sucessões- v 6- 13 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pag.217.

[4] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das sucessões- v 6- 13 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Pag.217.

[5] STJ - REsp: 1617501 RS 2016/0200912-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 11/06/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 06/09/2019 DJe 01/07/2019

[6] STJ - REsp: 1617501 RS 2016/0200912-6, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 11/06/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: REPDJe 06/09/2019 DJe 01/07/2019